05 abril 2015

Quando eu não te conhecia

Coisas esparramadas pela casa me fazem lembrar de você, quando eu começo a juntá-las, especialmente bilhetes meus, eles precisam voltar. Quando vou pra casa e você ainda não está lá costumo pensar como seria bom termos horários mais comuns, mas isso não representa uma nota triste ou solidão.

As vezes chegando em casa, quando a noite já tomou todo o céu e as memórias sobre o trabalho começam a se perder, eu gosto de me deitar no sofá e ouvir todos os sons ao redor. Dentro da casa a geladeira, a cortina de papel roçando-se com o vento e nosso mascote girando a roda em sua gaiola. Lá fora uns carros pelas ruas, as máquinas no telhado vizinho, as vozes de conversas de quem está nos arredores.

Vou escolhendo-os um a um para apaga-los. Identifico claramente qual a extensão e variações dos sons que um objeto ou local envia até mim e mando minha cabeça desfazê-los, o som vem chegando ao ouvido mas não marca minha percepção, vai embora, soprado em silêncio. Eliminando um a um, deixo por último o som da roda na gaiola. Quando ele para por alguns instantes eu ergo a cabeça e vejo o pequenino sobre as patas traseiras, as vezes com as pequenas patinhas sobre a boca e sorrio. Então esse som reconfortante também se vai.

Quando você chegou as coisas eram diferentes por aqui e nunca mais pararam de mudar. Depois de tantos dias convivendo e também esperando o tempo de estarmos juntos, você me apresentou a mim mesmo de uma forma que eu ainda não conhecia. Dia desses você me explicou, com cuidado, que há muitas coisas importantes em sua vida. Eu sei, você não precisava me dizer, mas essa foi uma das melhores coisas que já fez por mim. Uma outra coisa, que está guardada em uma foto, é aquela que mais ganhou likes em sua linha do tempo, onde você está olhando desenhos que fez para mim.

Agora os trovões anunciam uma chuva pra chegar em poucos minutos, me fazem lembrar que a pior coisa que eu sentia por você era o medo de que nossas diferenças nos afastassem a ponto de nos perdermos um do outro. Você também falou sobre isso e concluiu que não, que as mudanças que nos trouxemos com o tempo são um amadurecimento. Amadurecer as vezes é difícil e dolorido, não foi fácil pra mim mas estou perdendo esse medo dia a dia. Ele não ajuda em nada pois a separação é feito aquelas feras que sentem o cheiro de nosso medo para nos identificar como vítimas ideais.

Gosto de olhar pra você desde a primeira vez em que eu te vi e isso só se tornou mais único e profundo com o tempo. Posso cuidar de você e de nossa casa, criar coisas, comprar coisas, pequenos presentes, escrever bilhetes ou longas cartas, dizer que te amo, direta ou indiretamente mas nada disso é como olhar pra você. Quando não me vê olhando, quando me vê e eu posso ter em seus olhos o alvo para me perder tambem.

Essa noite sonhei com você sendo uma criança, num tempo passado em que eu não era presente em sua vida, mas suas fotos me fizeram conhecer. Mesmo sem estar nem perto de saber quem é e quem era você, em meu sonho eu observava você e sorria, você brincava rindo e xingando, parecia não saber que eu estava ali. Eu amava você.

Quando eu era criança ia para o jardim de minha avó e ficava lá por horas, conversando sozinho. Minha mãe achava que eu falava com algum ser de outro plano, já que amigos imaginários não estavam em voga na época. Eu não me lembro com quem falava, mas me lembro do jardim e de gostar de estar ali, acho que me lembro de ver essa cena em alguma foto antiga tambem.

Tenho você comigo, em quem sou hoje, no futuro que desejo e naquilo que preciso quebrar e construir de novo. Algumas coisas não se pode apagar ou perder.

08 novembro 2014

Quando eu tinha entre 4 e 5 anos de idade eu dizia pra minha mãe que queria ser médico. Não tenho certeza se eu me lembro mesmo disso ou se construí uma memória visual para o que ela me contou, mas existem umas cenas dessa história na minha cabeça.

A impressão que eu tenho sobre esse fato-memória é que devia parecer uma coisa linda e distante para minha mãe, não sei dizer se mais linda ou mais distante. A beleza tem dessas coisas às vezes, quanto mais distante, mais belo e admirável.

Se tem uma coisa da qual eu gostaria de poder falar na vida é sobre olhar o que está distante.

Nesse caso de realidade e distância, eu era o primeiro filho, nascido no comecinho da década de 70, em uma família pobre da periferia de São Paulo, meu pai metalúrgico e minha mãe dona de casa. Não era tão pobre, nem tão periferia, tinha o básico e um pouco mais, mas era pobre. Morávamos em uma casinha construída no terreno da casa de minha avó materna e não éramos os únicos, uma outra família de tios e primos morava em outra extensão da casa.

Para um molequinho de 5 anos nessa "condição humilde", declarando a ambição de ser médico à sua mãe, suponho que devia surtir um efeito inconsistente e encantador publicamente, reservadamente constrangedor e frustrante para ela.

O fato é que eu não sustentei a vontade de ser médico e não me lembro de ter colocado outra no lugar até me tornar adolescente e começar a desenhar. Me destacava da maioria dos outros nessa habilidade, embora me destacasse também na área de humanas em geral, mas esse não é o ponto, ainda.

Quase com 18 visualizei que talvez fosse capaz de ingressar em uma faculdade pública. Publicidade (USP), Arquitetura (USP), História (UNICAMP) ou Design (UNESP e Mackenzie). Batalhei cursinho a noite e sábado 2 anos, trampando em outra cidade de dia, também operário como e com meu pai, até passar em História e Design. Escolhi aquela que me levou para mais longe de casa, eu queria poder olhar o que estava distante.

Estou a caminho, sigo por essa estrada, tento manter-me inteiro, então olho apenas brevemente a paisagem noturna, apenas brevemente essa gente estranha, gente cheia de espera, lembranças, dores e vontades, assim como eu ou você. Cerro meus ouvidos na música, para que entre os outros não tenha que estar. Estou a caminho nessa pequena jornada, que nunca esperei fazer, por isso no céu escuro lá em cima, marcas de luz das estrelas ardentes indicam o caminho. Peças do tabuleiro balançam sob o olhar preocupado do vigilantes do templo e eles colocam seus dedos indicadores sobre os lábios, recomendando o silêncio. Até que eu chegue, até que eu possa descer dessa composição, eu ainda sorrirei tranquilo, enxergando uns fios transparentes que me ligam a esse destino que escolhi encontrar, até que eu chegue, desça a escada e possa saudar meu comitê. Vou ainda lembrar-me de um primeiro encontro e de uns outros, que até agora não pude compreender. Nem de olhos fechados sentindo o cheiro da minha própria pele, pra me ajudar reconstruir as cenas, ainda sim não me será permitido saber, de nada além da chegada que está próxima, posso-lhe dizer que eu já sinto conforto da proximidade, que está para breve a promessa cumprida, para breve um olhar satisfeito e leves movimentos com a cabeça para confirmar que sim.

06 maio 2014


Sabe, esses dias eu venho pensando sobre histórias, umas que vem me falar de coisas das quais estava com saudades, saudades de contar histórias. Penso mais nessas histórias lembrando-me de você.

Já que há tantas palavras, ditas de todas as formas, que chegam por todos os lados mas não servem pra nada, muita gente vazia que fala de tudo sobre o mundo, mas de fato não tem nada a dizer, é bom que eu diga o que tenho eu.

Em outros tempos eu queria saber o que te diziam umas bocas miúdas, vomitando de suas mentes pequenas, no meio de sonhos e nos dias que se arrastam distantes de mim, narrados por elas em sua vontade de te prender. Eu queria saber.

Salvo de filas e filas de figuras recalcadas e seu mofo infeccioso, eu apenas sorrio tranquilo para quem não nos quer bem.

Eu quero.

14 janeiro 2014

Quase morto
quase enterrado
quase deixado
quase não mais

à espera do tempo que está para chegar
você pode estar derramando o que lhe resta
pra não ter que se deparar
com o que não lhe falta mais.

26 dezembro 2012

Os Cães da Serra


















Seguia meu caminho já cansado e meio desconfortável na luz confusa do horário, quando me lembrei duns versos antigos que havia lido minha avó, quando chegávamos à sua casa, nessas horas de fim de tarde:

“Enquanto passo na estrada,
Através desses lugares perdidos,
Passam esses lugares também,
Através dos tempos e de mim,
Avançando com as memórias do dia,
Rumo a seu fim.

Que se inicia a hora da troca das luzes,
É o lusco-fusco que toma as passagens,
Deitando sobre tudo um filme de transição.

Descerra seu véu de confusão e incerteza,
Em seu auge coroado pelas luzes da noite,
Antes da luz do dia terminar de partir.

Passo eu, passa a estrada e o dia também,
Sobe lá na serra uma névoa fria e pesada,
Anuncia o canto distante da coruja,
Adeus, adeus. ”

Sim, bem satisfeito posso dizer-lhes, que sou o senhor de todas essas terras, até onde a vista alcança e ainda além. Quase como um rei, diria um lisonjeiro amigo meus, às vezes cruzo essas trilhas, apenas para admirar sua extensão, o que infelizmente não era o caso nesse dia, em que tomava para mim uma missão.

Quando a noite veio, assim num súbito, acelerei até a porta do estalajadeiro, que recebia os viajantes e cuidava de minhas terras no topo da Serra dos Nunca Mais, para ter repouso seguro e cumprir meu propósito junto a ele e os seus.

Com efeito, o anfitrião recebeu-me caloroso, que há muito não tinha minha presença por ali. Chamou as crianças e a esposa, que me vissem e cumprimentassem. Pôs-se a senhora à cozinha e ele me veio com dois cálices à mão, pediu-me que sentasse na cadeira alta ao lado da lareira e contasse por onde andei, enquanto sua Dona preparava-nos uma sorte de porções de pães e caças da região.

Em meio às aventuras e trivialidades, que achei por bem contar-lhes, foram entretendo-se, até que senti estarem descontraídos e prontos para que pudesse dar-lhes a notícia do caso dos cães-de-chifres.

_Assim como outros em minhas terras, vocês consideram essas feras, apenas lenda remota, fruto da imaginação dos ignorantes. Esclareço-lhes que são sim, uma espécie rara de cão-do-mato. Eu mesmo só vi um desses quando ainda era um adolescente, mas fiquei para sempre impressionado com seu tamanho, pelagem rústica e opaca, nuns tons de enferrujado, os dentes saltados das mandíbulas, compridos e muito afiados, mas sobretudo, com os chifres no topo do crânio.

Não que fossem ameaçadores em si, como os dentes, não. De sua base, ainda coberta com os pelos mais finos da cabeça, até a ponta, mediam pouco menos de um palmo e eram curvos para trás, rentes ao crânio, sendo de fato, muito raramente usados para ataque ou defesa. Mas aqueles cornos, de cor de grafite, na cabeça de um cão-do-mato daquele tamanho, causavam em qualquer um, grande espanto. Lembro bem de minha mãe, desenhando com a mão sobre si o sinal da cruz, rápida e repetidas vezes, murmurando alguma prece, que Deus nos protegesse.

Nessa hora o casal ouvia-me muito atento e de olhos arregalados, as crianças, que já deveriam estar em suas camas, esgueiravam-se no escuro, cheias de medo, mas de olhos brilhantes, ávidas por continuar a ouvir.

Segui esclarecendo que, naquela primeira vez que tivera contato com esse tipo de animal, meu tio-avô, Dr. Augusto, explicara à toda família:

_Essa aí que foi morta pelo Dimas é uma fêmea jovem, mas estou certo de que pariu há poucos dias. Se outra fêmea da matilha os adotar, inda podem atormentar esses fazendeiros mais isolados nos pés das serras. Costumam ocupar cavernas nos topos dos penhascos para dormir e procriar. Com seu porte, força e hábitos noturnos, descem à noite para os pastos e tem preferência pelas ovelhas e cordeiros, que abatem com facilidade, diferentes de cães-do-mato, aqueles comuns, que no máximo, dão conta de caçar umas galinhas.

Exatamente por isso seu número estava muito reduzido nas regiões das fazendas dos pés-das-serras, onde os caçadores os haviam perseguido e quase exterminado. Há muito já não se via um, como aquela fêmea, caçando em pasto de criação. Então, desde esse episódio antigo, nunca mais se ouvira um relato sobre um cão-de-chifres.

Ergui meus olhos que fitavam o fogo enquanto falava, dei um longo suspiro, a senhora estendeu-me um copo d´água, sorvi uns goles, acenei com a cabeça e prossegui.

_Acontece que há dois dias, um campeonato de caça motivado pela rivalidade entre os Pontes e os Oliveiras, teve início com meu consentimento.

_Essas famílias arrendam as terras do Senhor, do outro lado dos Três Rios, disse à sua senhora, o estalajadeiro.

_Isso mesmo. Percebi tardiamente que deveria ter intervido, mas sem que me desse conta, eles empolgados em deitar à mesa de seu Senhor e Juiz, um número maior e variedades vistosas de caça, meteram-se a subir a Serra do Arrepio, além da zona de caça.

Para azar do jovem, filho mais novo dos Pontes, Josué, creio eu, era ele quem ia mais avançado e deu de cara com a matilha à boca de sua caverna. Não teve tempo de recobrar-se do espanto e do arrepio que subiu-lhe, da espinha à cabeça, ao vê-los alinhados, rosnando raivosos de olhos vermelhos...

Quando Pedro Pontes, seu irmão mais velho vinha chegando de longe, viu o maior dos cães, esgueirar-se pelo lado esquerdo de seu irmão e avançar saltando em sua orelha, arrancando-a num instante, deixando o pobre no chão, aos berros e seguindo como um raio em direção oposta, descendo a serra, acompanhado da matilha. Pedro ainda jurou ter acertado dois deles, ao que os outros caçadores zombaram, pois nenhum fora tombado e não havia rastro de sangue nenhum por onde sumiram na mata.

O caso é que, ao que tudo indica, a matilha, que devia contar com uma dúzia de cães, deve ter seguido rumo ao pé oposto da serra, que dá na Travessia dos Três Rios. A esses exímios nadadores, não seria grande desafio, atravessá-los, ainda mais nessa época de seca. Logo estariam subindo a Serra dos Nunca Mais em busca de uma nova caverna pra se abrigar e logo estariam caçando novamente.

Diante da expressão grave do pobre homem e da face de terror de sua Dona, procurei tranqüilizá-los, garantindo que já perseguia os cães, um grupo dos melhores caçadores e que na manhã seguinte, chegaria à estalagem outro grupo, que partiria dali, com o objetivo de encurralar os cães em seu caminho de subida à serra. Destaquei ainda que três deles montariam guarda na estalagem para proteger-lhes.

Assim, um pouco mais confortados, puseram-se a deitar as crianças, levaram-me lá em cima no quarto mais alto, que estava todo pronto para recebe-me e deixaram-me a ouvir de lá de baixo, seu zêlo em cerrar todas as janelas e trancar as portas.

Deitado numa cama quente e confortável, logo as imagens que vi e contei, foram confundindo-se em minha mente e pude dormir.

Acordei assustado horas depois, como se alguém me tivesse balançado na cama, sentei rapidamente e alerta, pude perceber pela janela, que ainda era fim da madrugada e o dia ainda demoraria para amanhecer. Levantei-me e desci os lances de escada, pé ante pé, na casa escura e silenciosa, rumo a uma tênue luz que vinha da sala. Sobre a mesa escura em seu centro, encontrei uma vela queimando, que me deixava ver um bilhete.

“Meu Senhor,

         Sinto muito que tenha tido de partir assim, sem ao menos poder comunicar-lhe de nossa decisão. Minha esposa, que já é fraca dos nervos, ficou por demais impressionada com a história que contou-nos, Ainda mais ao imaginar os terríveis fatos que ainda poderiam vir a acontecer.

         Implorou-me e não pude negar-lhe, que juntássemos o essencial e partíssemos com nossas crianças para a casa de meus pais na cidade velha, antes mesmo que as equipes de caça chegassem, jurando-me que não poderia suportar tal tensão.

         Peço-lhe que me perdoe e um dia ainda me dê a chance de compensar-lhe essa falta, em momento de grande atribulação.”

                                                                   George e Família Gomes de Freitas


Apenas deitei o papel sobre a mesa, peguei o molho de chaves que estava a seu lado, dirigi-me à porta e destranquei-a sem esforço.

Lá fora a lua cheia alta, não era suficiente para dispersar a névoa da serra. Olhei para os lados e para o chão, avancei até a entrada do pátio e pude ver pelas marcas na terra e no remexido das pedras que tinham partido há muito pouco.

Detido em devaneios por instantes, um estalo de galhos no mato me fez despertar e qual não foi meu espanto quando avisto, vindo da névoa da estrada um vulto de gente. Procurei acalmar-me, convencendo-me ser um dos caçadores muito adiantado ao grupo, mas logo pude ver pelos trajes que não se tratava de caçador algum.         À medida que se aproximava, eu paralisado, mais espantado ficava, a reconhecer-lhe a figura e duvidar que pudesse ser:

            _Mas...tio...Doutor Augusto, o senhor...eu pensei, eu, não entendo...

_Não disponho do tempo que deseja, para todas as explicações de que crê precisar, eu também venho cumprir uma missão.

Sua voz parecia a mesma, de tantos anos atrás, mas preenchida de um eco, que vinha de outro lugar.

_Eu estava enganado meu filho, aquela fêmea, que mandei Dimas matar, seus filhotes não tinham outra fêmea para cuidar-lhes, ela era a última da matilha. Muito indefesos foram presas fáceis para os predadores da mata. Como última adulta da raça, quando ela e seus filhotes foram mortos, os cães-de-chifres foram para sempre extintos.

_Mas os caçadores viram a matilha, dias atrás e seus chifres...

_Sim, eu sei, eu sei... mas ouça. Quando Dimas matou aquela cadela, foi ele quem disparou as balas que a derrubaram, mas eu era o verdadeiro responsável. Ele mesmo perguntou-me se não a poderíamos prender e mandar para o zoológico, tão impressionado que estava com o bicho. Eu disse não.

A marca dessa decisão esteve comigo por anos. Por muito tempo segui ileso, protegido através de artifícios forjados por um velho curandeiro, que me devia muitos favores e foi fiel, mantendo os círculos fechados, mesmo tendo partido depois de mim.

Como não houve termos de responder à minha culpa antes de partir, e eu não deixei herdeiros, esta dívida chega até você, por ser eu irmão de seu avô e tio do filho, seu pai. Pois agora quer chegaram a hora e o momento certos, esta dívida é repassada a você, aqui e agora, como o único do meu sangue, que novamente abriu as portas aos caçadores.

_Mas tio, o que está me dizendo, há testemunhas e o filho dos Pontes ferido, foram eles, uma matilha de cães-de-chifres que eles acharam na Serra do Arrepio, eles devem estar vindo para essas bandas, precisamos entrar, nos armar e montar guarda.

_Meu filho, agora me diga, puxe pela memória, aquela cadela que viu deitada, morta a meus pés. Seus olhos estavam abertos e você foi quem mais se demorou em examiná-la comigo. De que cor eram seus olhos?

_Negros, eram negros...

_E o pobre que teve sua orelha decepada, disse o que dos olhos do cão que o feriu e de toda matilha?

_Que eram vermelhos...


_Vê os olhos vermelhos, disse apontando em redor, e pude ver que se aproximavam rapidamente, vindos de todos os lados.

_ Os cães-de-chifres não tem olhos vermelhos...



19 dezembro 2012

Na antessala




















Na última noite de domingo para segunda dormi mal, fiquei virando na cama, de um lado para o outro, como se alguém tentasse o tempo todo falar comigo e eu não quisesse ouvir. Por isso minha cabeça ficou meio congestionada, então eu queria passar o dia bem tranquilo, descansar. Daí lembrei-me da antessala do céu. Ao que tudo indica, o lugar mais tranquilo de toda a existência.

algum tempo atrás era um lugar movimentado, pois todos que estavam para entrar aos céus tinham que passar por lá. Em épocas mais agitadas, datas de grande número de ingressantes, o lugar chegava e ter algumas filas no atendimento e ouvia-se um certo burburinho, situação quase desconfortável para um lugar assim tão sóbrio e sereno.

Com o tempo, em decorrência dessas mudanças de estilo típicas da vida moderna, o volume de novos habitantes veio sofrendo lentas e graduais, mas sensíveis quedas. Somando-se isso ao aprendizado adquirido nas datas de rush, os comitês de logística e operações tomaram uma decisão quase que radical, para os padrões da casa: As recepções passaram a ocorrer diretamente nos portais de entrada. Uma vez que você cruzasse um deles, estaria em um amplo hall, com modernos guichês de atendimento, um confortável lounge com música ambiente, sofás confortáveis, naquele clima perfeito que só o céu pode oferecer, caso alguém tenha que aguardar um atendimento. Uma beleza de se ver.

A antessala do céu, por sua vez, foi destinada a um imenso e pouco movimentado depósito e estoque de suprimentos. Logo na entrada três enormes mesas baixas e bem compridas, alinhadas lado a lado, com postos para dois funcionários em cada uma das extremidades. Até elas, vindo lá do fundo da imensa sala, um par de esteiras para cada mesa, em movimento ininterrupto de ir e vir. Nos dias mais tranquilos, só um desses conjuntos dá conta de todo o movimento. Ao fundo, prateleiras tão altas quanto o imenso pé direito desse lugar, tem seus espaços divididos entre roupas de uso pessoal, cama, mesa e banho, papéis e tintas, convencionais e tecnológicos de toda sorte , além de alguns poucos produtos químicos de uso bastante restrito.

Lá atrás depois das prateleiras, quase que esquecidas por todos, ficam duas salas de recuperação e repouso. Acontece que a equipe que trabalha na ex-antessala do céu, em seus momentos de descanso, está sempre querendo passear pelos portais do céu, saber o que está acontecendo por ali, conversar com os amigos e mesmo que forem repousar, fazem isso em suas casas, ou praças dos arredores. O fato é que, sobretudo em dias muito chuvosos como foi essa segunda feira, a iluminação normalmente estourada de branco dessas salas, fica bem mais amena e aconchegante, o som baixo, grave e contínuo das esteiras, fica distante o suficiente para tornar-se um mantra e a temperatura é simplesmente ideal.
Sim, já houve quem me perguntasse sobre como obtive essas informações e eu não vi problemas em dizer:

_Os Pássaros, aqueles que me visitam à noite as vezes, guiaram-me uma vez até lá. O complicado é não ter certeza se com eles atravessei os portões de chifres ou os portões de marfim...enfim. Depois de cruzá-los e caminhar por um certo tempo num desses caminhos que não se pode bem distinguir onde fica, por parecerem apenas lugares entre lugares, o trecho meio escuro foi-se iluminando e eu estava lá às portas da antessala do céu.

Um funcionário me aguardava à porta e gesticulando pediu-me que o acompanhasse. Meio hesitante, meio encantado eu fui seguindo e entendendo que deveria ficar quieto e que ele não iria falar nada, não sei ser mudo mudo ou porque não podia falar. Caminhamos ao lado oposto das mesas e esteiras e por todas as vezes que olhei, aqueles que trabalhavam lá não desviaram a cabeça em nossa direção.

Quando chegamos às salas ao fundo, o misterioso que não falava, abriu a porta da primeira sala e me indicou que na segunda eu não deveria entrar. Deu a entender que poderia ficar à vontade e que iria se retirar. Acenei com a cabeça que sim e ele se foi. Olhei em redor e naquele todo amplo e branco, de luz aconchegante, escolhi uma das longas e acolchoadas cadeiras de descanso e estiquei meu corpo nela. Que conforto incrível, que paz, que vontade de estar lá novamente e sentir-me como naquele dia eu senti, nessa segunda-feira cansada.

18 junho 2012

4 Testículos para Desenferrujar a Pena

Indo de Bauru para Campinas, em 08/06/2012

Olhando pela janela, acho que para pensar no que se vai escrever é melhor ouvir música estrangeira.
Essa viagem pode demorar mais porque há muita neblina na estrada.
Essa estrada poderia estar melhor, para que minha letra não ficasse assim tão tremida.
Essa estrada tremida pode demorar e acabar dando em lugar algum.

...

Os campos estão cobertos de neblina,
Olho para cima e para baixo,
Enquanto passo rápido por eles,
Penso nas pessoas, ausentes agora,
Que passam suas vidas por aqui.
Ah, essas pessoas dos campos...

...
Voltando de Campinas para Bauru, em 10/06/2012

O que eu sinto mesmo, de mais relevante,
para a minha cara de pária, meu abobalhado semblante,
é um desconforto oco, daqueles que se sente na ausência de si.

Por mais que pareça, que o que merece essa bossa é descrença,
Guardo, mui verdadeiro, aqui calado comigo,
Acima de tudo uma fé e um sentido,
De que um dia não será mais assim.

Antevejo, ainda que pálido e imensamente distante,
Um tênue fio de luz,
Capaz de conduzir-me até mim.

Por isso, por mais que esse chão movediço me trague,
Pra esse ou aquele inferno,
Me ergo, acima do acabamento de minhas finitas forças,
Tateio, esocoro-me e subo, para a beira do abismo.

Insisto em seguir, vidrado, mesmo que confuso e perdido,
Indo atrás da luz de vapor, do cordão prateado,
Desse fio esmaecido de esperança, passo em eterna dança,
Ah, essa marcha desdobrada do avesso e para sempre,
Nunca até o fim.
...
Sim, eu fico sim, muitíssimo feliz,
Que a musa assim, sem avisar,
Me visite para contar,
Que ainda existe uma lira em mim.

Rogério Farias

09 abril 2012

Paladares

















Pra tudo é preciso um gosto,
As vezes amargo ele precisa ser,

Por ser marcante e desagradável,
Mais fortes nos fará, será difícil de esquecer.

Que a vida sem sal, não levamos muito longe,

Negamo-nosa esse trabalho, sem justo pagamento,
As forças que cultivamos, buscando onde e como,

Quando nos basta o pão, vamos além no sentimento.

Pedimos que não nos maltratem tanto,

Não sejam ácidos, azedos em seus humores,
Mesmo que dessa dádiva mal compreendida,
Possam brotar outros sabores.


É certo que se me estende sua mão,
Eu em contrapartida, lhe ofereça a minha,
Mais doce e confortante a jornada,
Não será mais triste, nem sozinha.

Por isso não nos tragam receitas prontas,
Pra todos os paladares, vulgares ou raros,
Temperamos nossa receita com o que vem de dentro,

Para convidar nossos amores a esses banquete caros.

27 novembro 2011

Mariana

Quando Mariana bateu a porta com toda a força que conseguiu reunir, os moradores do 13° andar todo, mais do que ouviram o estrondo, perceberam as paredes tremerem um pouco. Ela estava com muita raiva, ódio ela diria. Seu rosto estava coberto de lágrimas e sua boca tremia. Ela não queria chorar, não queria que o nariz escorresse aquela coriza nojenta de choro, apertava os olhos tentando se conter, mas isso era evidentemente pior, os soluços e tremedeira só faziam piorar.

Durante toda a tarde daquele sábado, de clima quente e abafado, ela ficou no seu quarto. Queria que o mundo ficasse em silêncio. Que todas as coisas e pessoas se afastassem das paredes do quarto e ela pudesse ficar totalmente sozinha. Mas a tarde estava linda e isso fazia da piscina e do playground lá embaixo, tudo o que as famílias, crianças e jovens precisavam para fazer uma enorme algazarra, feliz e descontraída, com direito a churrasco e rádio pop pra acompanhar. Mesmo um pouco distantes, os sons e cheiros irritavam e agrediam Mariana. O mundo não dá um tempo quando a gente precisa...o mundo e a vida eram muito cruéis com ela nesse momento, era a base de todo aquele amontoado de emoções fortes que ela não conseguia controlar.

Quando o sol começou a se por, depois de várias crises de choro que foram indo e vindo até cansar, sua cara inchada e úmida começou a relaxar e seus olhos, que estavam vidrados no teto, piscaram cada vez mais longamente até que ela dormisse.

Numa penumbra quase total, Mariana esgueirava-se entre paredes irregulares e ásperas, estava sentindo um cheiro forte de mofo, apavorada, tentando nao raspar mais os braços já machucados pelas paredes, nem olhar para o chão, que devia ser de terra barrenta. Seu coração parecia estar inchando, quase estourando o peito. Ela não conseguia correr, mas andava e tropeçava, o mais rápido que podia, embora não surgisse nenhuma luz pra amenizar o desespero. Mariana estava com medo, com muito medo, nunca sentira tanto medo em toda sua vida.

Então ela ouviu um berro do seu lado, deu um salto e caiu toda torta, enrolada no lençol. Quando conseguiu respirar melhor e se situar, entendeu que o berro era do Siqueira do 6° andar. Ele queria que os últimos gatos pingados que ficaram bêbados no fim do churrasco, parassem de fazer barulho. Ela olhou no relógio, eram 23h15. Levantou apoiando-se na cama e cambaleou até o banheiro. Ao acender a luz sua cabeça doeu, como se estivesse numa ressaca daquelas e ao olhar no espelho, não sabia se ficava aliviada por ter acordado e saído do pesadelo ou se preferia voltar para ele, a ter que encarar aquela cara de zumbi de filme B.


14 novembro 2010

Coisas que se pode comprar, Coisas que se pode sentir

Estava eu, vendo vídeos, reportagens e twittadas pela rede e comecei a pensar em coisas que as pessoas procuram na internet. O quanto elas procuram essas coisas e melhor, pra quem procura, o quanto é possível achar.

Daí veio essa idéia de fazer um ranking de alguns termos mais encontrados. Mas logo que eu comecei foram surgindo as dúvidas. Logo comecei a tentar separar entre coisas materiais e não materiais. Decidi clasificar por COISAS, que se pode e que não se pode comprar. Usei o Google para fazer as pesquisas.

Tanto as coisas em si, quanto sua separação podem ser bem questionadas, claro. Um exemplo: televisão, não está no rank, mas se eu somasse televisão e televisor, entraria lá entre vestido e imóveis. Mas teria que fazer o mesmo para outros termos e fugiria da idéia. Casa é um termo que também nao coloquei, estaria no topo, mas significa um monte de outras coisas. Sexo também é polêmco, mas...quis deixar lá onde está.

Enfim, como minha idéia não era fazer uma pesquisa científica, nem provar nada pra ninguém, ficou assim:

coisas que se pode comprar coisas que se pode sentir
1 música 263.000.000 poder 172.000.000
2 perfume 257.000.000 amor 160.000.000
3 arte 175.000.000 saúde 33.800.000
4 moto 142.000.000 dor 27.300.000
5 revista 109.000.000 ódio 24.600.000
6 filme 61.500.000 pobreza 24.000.000
7 sexo 58.900.000 verdade 22.200.000
8 celular 46.500.000 força 22.200.000
9 carro 36.800.000 alegria 18.300.000
10 arma 35.200.000 mentira 16.100.000
11 comida 31.100.000 beleza 15.800.000
12 apartamento 25.200.000 riqueza 15.200.000
13 livro 21.300.000 tristeza 14.000.000
14 computador 20.100.000 medo 13.700.000
15 dinheiro 17.100.000 saudade 9.690.000
16 jogo 16.700.000 amizade 9.390.000
17 imóveis 16.500.000 liberdade 9.160.000
18 vestido 15.900.000 violência 8.800.000
19 viagem 13.200.000 carinho 6.510.000
20 bebida 10.700.000 vingança 4.930.000

03 novembro 2010

Tarde




Vai,
Caindo,
Um resto de luz,
Amarela e difusa,
No fim de tarde quente,
Deixando tudo mais lento.

Os sons dos carros na rua,
Minha mão balançando junto com a sua,
As crianças da vizinhança correndo, bem devagar,
Nada mais se sustenta no tempo comum, das coisas normais.

Dobrando a esquina, arrastados num esforço arfado, mas leves,
Sentimos o quão breve é o fim desse dia inteiro, que não teremos de novo,
Jamais.

15 outubro 2010

Balada para o Capitão


Você não vai me dizer,
Mesmo que insista, não vou ouvir,
A palavra mais forte que cala em seu peito,
Me deleito, não posso compreender.

De tão distante, o discurso claro na sua pessoa,
Me soa, como bossa enredada num lamento ensosso,
Eu, definitvamente não ouço, o que tanto,
Tanto quer me fazer saber.

Por isso, tão tranquilo posso seguir,
Com apenas aquilo que me interessa estabelecer,
Como ciência do nosso dia-a-dia, bonito,
É só o que me cabe reconhecer.

13 agosto 2010

Você




Não sente, nem diz,

o que de pouco lhe resta,

não enfrenta, sequer pela fresta,

você perdeu, a porta sempre estará ali.


Se amarra em nós,

eu duvido, que perceba,

a corda que te prende, todas as horas,

todo momento, de graça ou não, enfim.


Por isso eu venho,

perdendo a vida nas regras,

que sempre esperaram de mim,

pra te dizer que não resta, nem um suspiro.


Do mesmo tanto que desprezo,

admiro, pra não deixar passar, nossa realidade,

onde, cada um por si, são poucos e poucos não podem,

não poderão saber, o ser, de todos nós, a sós, com afinco, não admito.


De tudo, só isso...

o moinho, o pó, o porvir.

20 julho 2010

Cai a máscara




Ainda que eu te dissesse alguma coisa,
muito me escaparia,
e desse muito toda a essência se perderia.

Ainda que falasse mais que o necessário,
eu iria falar,
em alto e bom som,
sobre todos os que ficaram e aqueles que sempre vão.

Pouco me restaria, a não ser lamuriar
e dizer, entre dentes e nervosamente:
_Está encerrada, perdoem-me a qualidade do serviço!
_Está encerrada a festa, eu insisto!

(a luz se acenderia, ouviria palmas)

Acenaria um aceno anêmico,
uns sorrisos amarelos e desapaceria,
pronto para retirar-me a meus aposentos e sussurar:
_Chega..

(A 4 mãos, com DriEiko [Salve!])

15 julho 2010

Para meus amigos

Um dia, num tempo que eu ainda não conheço,
minha vontade não terá mais preço,
meu desejo não será mais dono de mim.

Assim, as dobras das palavras e das vontades,
não falarão tão alto ao meu coração,
que restará, vazio, enfim.

Por hora, toda a graça e brilho mais forte,
toda aurora que irrompe num dia,
me coloca em olhares, me faz sentir.

Eu vou, caminhando sozinhamente,
em meio a tantas gentes,
largando no meio-fio, a saudade.

Desse tempo presente, tardio no dia-a-dia,
antecipado na ansiedade, que não é minha,
até que me baste, a falta de palavas para dizer.

Então, só da passagem, só na passagem,
de todo vento e brisa que vai e vem, eu saberei,
que os tenho comigo e nada mais.

16 janeiro 2010

São tantas




Lista de emoções, da Wikipedia

Agressividade · Afetividade · Aflição · Alegria · Altruísmo · Ambivalência · Amizade · Amor · Angústia · Ansiedade · Antipatia · Incómodo · Antecipação · Apatia · Arrependimento · Auto-piedade · Bondade · Carinho · Compaixão · Confusão · Ciúme · Constrangimento · Coragem · Culpa · Curiosidade · Contentamento · Depressão · Desapontamento · Deslumbramento · Dó · Decepção · Dúvida · Egoísmo · Empatia · Esperança · Euforia · Entusiasmo · Epifania · Fanatismo · Felicidade · Frieza · Frustração · Gratificação · Gratidão · Gula · Histeria · Hostilidade · Humor · Humildade · Humilhação · Inspiração · Interesse · Indecisão · Inveja · Ira · Isolamento · Luxúria · Mágoa · Mau-humor · Medo · Melancolia · Mono no Aware · Nojo · Nostalgia · Ódio · Orgulho · Paixão · Paciência · Pânico · Pena · Piedade · Prazer · Preguiça · Preocupação · Raiva · Remorso · Repugnância · Resignação · Saudade · Simpatia · Soberba · Sofrimento · Solidão · Surpresa · Susto · Tédio · Timidez · Tristeza · Vergonha

06 janeiro 2010

só isso

nÃo, deFINitivAMENTE, Não há nadA MELhor dO QUe ser lo u co, paa aara, nÃO ter que ter razão.

05 janeiro 2010

A mesma nau




Quando ontem foi há seis meses atrás,
pode-se perceber como passou tempo demais,
a se perder, dentro de labirintos de espelhos,
jogos de palavras vazias, sede que não se sacia,
ausência do mundo real e de você.

Então respira profundamente,
ensaia mil vezes até poder se mexer,
cheio tem que desaguar, toda água estagnada,
esgotar devagar, para não revolver o lodo,
e mais ainda, se sujar.

Não cabe agora, debater-se,
não cabe mais sofrer.

Graças dou apenas,
pela ajuda invisível que me resgata,
pela força sutil que move a fragata,
e uma brisa nova inspira,
vira, outro rumo pra seguir.

22 julho 2009

Cala boca e fala logo



A vida é mesmo engraçada,
engraçada e espantosa ... a nossa capacidade de rir,
quando o que se quer mesmo é chorar,
quando muito do que é bom são as lembranças,
quando o dia-a-dia se revela em baixa qualidade e meios-tons,
quando não há fotografias na parede pra me lembrar.

Engraçado não poder me decidir,
ora lascando aqui um xiste,
ora ali um resmungo, ou uma chacota,
tudo me serve bem pra eu não ter que falar.

Fala por mim, eloquente, o silêncio,
por de traz das palavras,
nada poderia ser mais contundente e sagaz,
nada resiste assim tanto tempo,
eu não me olho mais no espelho,
não quero mais.

A questão que fica é a de que não para mais nada,
na pauta surrada das repetições demasiadas,
restando a dúvida, de se existe uma autêntica tristeza,
ou se mesmo ela, deve pedir licença e se retirar.

À medida em que a vida comum e a idade,
me chamam à responsabilidade,
que os dias somados, as estações rastejando no calendário,
dando a volta nos anos, que eu nem percebo passar,
vão se esgotando rápido demais.
A vida assim se configura numa simplicidade honesta,
tão besta e verdadeira que não dá mais espaço aos lamentos,
esgarçam-se os tormentos, até mesmo os mais presentes,
então eu, você, seguimos feito gente que em sente direito,
feito bons atores de um filme não tão bom assim.

A resposta certa está lá fora, deixou a porta aberta,
olha pela fresta, com um sorriso de canto de boca,
gargalha uma risada rouca, olha-nos sem se demorar,
não vejo ninguém aceitando seu convite,
mas se visse, seria capaz de enxergar?
...

Depois de tanto tempo calado,
me animo a deixar esse recado,
e embora possa parecer ele, triste por demais,
dá-me alento pra continuar,
mesmo sem entender direito o mapa,
mesmo desconhecendo a origem, a razão e a sorte,
mesmo encantado, como sempre, pela morte,
erguendo-me cansado de dentro de mim mesmo,
pra continuar.


17 maio 2009

Red




Lá vou eu de novo,
Mas não, isso não é um peso pra mim.

Eu aprendi a confiar, sem estar perto pra ter provas,
Escolhi algo, que mesmo distante me conforta demais,
As outras coisas deixei pra traz,
As outras ofertas do mundo não me atraem mais.

Vou viajar levando mais que eu mesmo dentro de mim,
Vendo todas as luzes e cores de uma forma diferente,
Quem não sente que pode ser assim, sofre,
De uma maneira que eu decidi não sofrer mais.

Quem pode me dizer dessa história qual será o fim?
Mas se pode, não me diga, ainda assim,
Prefiro viver alimentando o desejo de que seja perfeito,
Aprendendo a superar quando não for, por um bem maior,
Construindo uma fortaleza que me proteja do mundo,
Quando esse mundo decidir levar à minha porta tempestades e marés fortes,
Aprendendo a me deleitar com todas as coisas boas,
Que também hão de vir.

Só te digo que agora, mora em mim a reverência,
Que me cubro de decência para recepcionar,
O cortejo de um futuro feliz, que já começou,
A aurora de uma era de mais amor e mais paz.

Bendita seja a vida nova que está a começar!


10 maio 2009

Um Dia




Será que a passagem do tempo nos torna melhores?
Será que o que o espelho nos mostra, todos os dias, vai ficando mais familiar ou estranho?
Será que as respostas comuns e fáceis nos bastam?

...


Eu não sei dizer a palavra certa,
Por mais que esteja alerta,

Ela não vem,
Eu posso aprender o que ainda não sei,
Posso arrumar um jeito de te dizer ,
Tudo que há no fundo do peito,

Ainda assim, você pode não entender.

...


Você pode ser perfeita,
Pode abrir todas as portas,

Você pode dar voltas,
Suficientes para me confundir,
Você pode estar certa,
Você pode não querer ter razão.
...

Nós ainda vamos nos encontrar muitas vezes,

Eu ainda terei muitos afazeres, você os seus,
Nós ainda nos abraçaremos nas despedidas,
Ainda sentiremos saudades,
Até o último adeus.

...

Por hora ficam apenas umas palavras,
Uns pensamentos,
Por hora, ainda só a passagem das horas,

Nunca será tarde demais.

19 março 2009

Pálida




eu nao queria te dizer algo assim,
qualquer coisa,
eu não queria estar longe assim,
não queria que o texto fosse irregular assim,
eu nao queria tanta coisa,
tanta coisa.


agora que você tem idade suficiente para ser a mãe de uma criança no fim da infância, mas sua sorte e sua escolha, não foram essas, agora...o que será?


agora que as pessoas envelhessem a olhos vistos,
agora que eu não encontrei o mesmo que te faz feliz,
e as salas de espera estão cheias de gente inquieta,
quem vai juntar os trapos da história,
quem será sensato para não a repetir?


só pelo ensaio tardio desse momento,
me desculpo, mas não aguardo alento,
me dispo e dissipo, numa bruma de madrugada,
vou à sacada e me deixo cair,
dessa queda flutuo, abro os braços,
no meio do caminho lá pra baixo,
começo a subir, olha que estranho, a subir,
olha que movimento, tão estranho, tão estranho,
mas eu sei, estou subindo pra te encontrar.


agora, que não é a hora, nem o lugar,
que não tem mais jeito, eu suspeito,
agora está perfeito, o tecido desse sonho,
onde eu vou pra te ver, vou devagar,
pra que estejas pronta, lá vem você,
pronta, vestida só um cetim,
vem pra mim, abre os braços,
estico os meus, abre os braços,
me puxa, eu cheguei, vim pra ti.


agora, estamos juntos, como não era há muito,
lá debaixo, ninguém nos enxerga,
eu sorrio, você olha pro horizonte,
risca com o dedo, minha fronte,
na minha testa desenha um sinal,
é assim que se desperta num sonho,
você me diz, eu te abraço forte,
a gente ri, de mais alto nossa risada ecoa,
quando chega a luz do dia,
ainda brilha, estrela da manhã,
me vem o que deve ser dito,
primeiro sussuro, depois repito.


mesmo que pareça perdido,
mesmo que esqueça o sentido,
coloco os louros sobre seu cabelo,
suas bodas eu vim coroar,
olha ali aquelas nuvens correndo,
olha lá um risco de luz no mar,
vejo por dentro sua relíquia, no peito,
dobro um joelho, baixo a cabeça, tomo sua mão,
moça-senhora pálida, não há profecia,
nem runa pra te guiar, pra cá ou pra lá,
sua direção de vida aponta, se preciso afronta,
seu desejo desmonta, o que mais não há.


ao fim, acena-me em anuência,
despedimo-nos sentidos, em silêncio,
volto à terra comum, descendo escadas em espiral,
olhando pra cima, te vendo, até acabar,
até ficar pesado, de pé no chão,
até regressar, deitando na solidão,
mas fica o perfume sutil desse encontro,
momentos que gravo e me confortam,
até que um dia voltemos,
até que a distância se desfaça,
até que não tenhamos mais,
que descalços errar.

13 março 2009

Balada sem nome

Ora, ora,
Hora, hora...
Eu digo e repito, duas vezes,
Porque essa coisa é do tipo,
Que se diz de par em par,
Eu não mudo isso, porque não convém,
Porque desde o início dos tempos, foi assim.

Essa história é um bom começo,
Pacto amarrado, embrulhado em xiste,
Depois que você começa,
Não tem volta, cabra,
Eu te aviso agora, não tem fim.

O que você tem que saber,
A única coisa que vale a pena, enfim,
É onde vai o termo dessa dança,
Porque ainda não tem a resposta,
O que o faz levantar todo dia,
O que não te deixa dormir?

Sabe bem, ó andarilho tosco,
Caminhante da volta torta,
Esse atalho que toma, à sorte,
Te levará de novo ao início,
Que seja ele um precipício,
Seja ele seu eterno porvir.

Se não toma esse caminho,
E afoito encontra a chave,
Torna-se ela a clave funesta,
Com a qual se escreve seu requiém,
Daí sim, a mortalha cega, terá de vestir.

Por isso, vira e mexe, te repito,
De maneira clara e bem honesta,
Volta e meia calará seu grito,
Mesmo abafado, não deixará de existir,
Vai com força, dar com a cara no muro,
Ou fica, a buscar seguro,
Onde não há nada pra te garantir?

02 março 2009

ainda que eu sangre


de tanto esperar e perder o tempo da espera,
perdi-me nuns corredores confusos sem fim,
dei voltas tortas à procura da figura, que será?
um espelho o que procuro, ou um muro alto assim?


de tanto calar e me alimentar do silêncio, confesso,
engodo bem urdido de dentro do peito ferido,
espera de um vale arejado sem chance de sucesso,
será minha armadilha pra mim meu passaporte perdido?


será a lança afamada do meu nome, feita pra me ferir,
será a sorte insidiosa que me consome capaz de me dobrar e ruir?
ou resta esperança que me console, milagre que desafogue,
manhã que me resgate da noite torpe, venha me ungir!

09 fevereiro 2009

Leve




A vontade de seguir,
sem pesos do passado,
quem tenho ao meu lado,
além de mim?

Quem mesmo será preciso,
além da consciência e o sorriso,
do sentido atento aos avisos,
da sutil percepção que há de vir.

Minha salvação, por mim mesmo,
não dum inferno eterno,
mas do desperdício diário,
da fuga tola de viver a esmo.

Bom tempo e passagem,
não negarei o meu direito,
me educarei a não faltar com o respeito,
pra que pouco não me entorte e leve ao fim.


07 fevereiro 2009

A porta




Sim....eu vou entrar.

Uma vez lá dentro, farei de tudo que se espera que alguém faça, depois de entrar.

Também andarei lentamente de um lado para o outro, acenando com a cabeça àqueles que cruzarem meu olhar.

Depois de estar lá, eu sei, pensarei no quanto me arrependo por haver entrado, mas afastarei os pensamentos e tentarei sorrir convincente.

Conversarei, bem mais ouvindo que falando, com quem puder suportar por mais tempo. A quem precise dar menos atenção, e possa parecer atento, mesmo ao divagar.

Me lembrarei de algumas pessoas que nunca viriam, de outras, tentando imaginar se já vieram e eu não soube. Mas nada disso será realmente interessante.

Eu ficarei quieto e andarei mais, sorrindo e acenando mais, para que não tenha que parar e falar com alguém. Até que, exausto, me sente ao canto mais escuro e feche os olhos, até enxergar, dentro da minha cabeça, a luz do dia lá fora. Onde uma brisa me toca e os murmúrios da manhã me acolhem.

Eu vou entrar. Mas antes encontrarei um lugar seguro, pra deixar meu coração guardado, aqui fora. Se eu conseguir sair, espero que ainda esteja ileso e o possa recuperar.

Eu vou entrar, já disse, mas deixo meu coração aqui fora. Não podem me obrigar a levá-lo pra dentro dessa escuridão. Não mergulharei com ele nesse abismo sem fim.

05 fevereiro 2009

Desdém para Eiko




Então, insinue que vem,
mas se furte a vir,
e não me deixe saber fácil,
se você não pôde, ou não quis.


Toda vez deixe pairar,
pode ser uma dúvida, um mistério,
ou mesmo algo que eu queira dizer,
e não consiga.

Não minta, é claro.
mas não serei rígido com as omissões.

Saiba usar de rodeios,
só não exagere para não ficar sem graça.

Provoque, sempre com sutileza,
Não deixe espaço para as certezas.

Deixe assuntos começados,
sem pressa de concluir.
Me pressione a decidir,
mas não dê importância,
qualquer que seja a decisão.
Já você, pode e deve,
demorar-se em dúvidas,
peço apenas que não sejam tolas.

Dê a entender que está me colocando em meu lugar,
mesmo sem dar referência de onde seja isso.

Não me poupe de seus problemas,
não se preocupe em ser coerente,
se eu perguntar, onde quer chegar.

Mesmo que não me diga o que deseja,
ou pode, realmente me oferecer,
não se demore em esclarecer,
isso ou qualquer outra coisa.

Por mais que possa lhe parecer estranho,
mantenha um ar seguro e tranquilo,
diante de todo esse enguiço,
para que eu me motive a seguir.



Ficou lá...

Assim, por não dizer,
de tudo faço mensagem,
toda a passagem,
me pode carregar.

Você me pergunta,
respondo que sim,
mas nem sei,
essa rota torta,
esse olhar fugidío,
mas que coisa,
ai de mim.

Por isso, a pena assinala,
essa opção vaga,
e mesmo que nunca,
venha a saber o fim,
você será minha tola,
fixação.

23 janeiro 2009

Mais uma noite

Passando em viver
a espera sem fim
sempre sem saber
o que será de mim
cantando em silêncio
ah viver, sem porvir

Deixar escorrer
o tempo esquecido
cuidar que me faz
sempre mais sentido
cair, que me move
sofrer que me envolve
o que há de vir?

24 outubro 2008

Mares




Olha!Quão profundo é o oceano,
Que margeia tuas praias,
Que reflete nos teus olhos,
Um pouco do azul,
Que mora, dentro de você.

Ouve, o som das ondas,
Também batem às pedras,
Em votos de saúde e paz,
Eu daqui, desejo-lhe tudo isso e mais.
...
Eu te desejo,
Um pouco pro mundo,
Outro pouco pra mim,
todas as partes, pra si.

Também te desejo,
Que o desejo não a escravise,
Mas também não te deixe,
Em apatia, ou deslise, enfim.

Que sua alma, feito caleidoscópio,
experientente a doçura do ópio,
A muitas coisas se permita e principie,
Mas em nada, nunca se vicie.
...
Eu te agradeço a companhia,
Que mesmo rara e as vezes fria,
Nunca nos deixe numa história vazia,
Nosso baile, nunca chegue ao fim.
...
Peço que sofra, mesmo sendo feliz,
Cuide que também os que te acompanham,
Não se percam em ilusões demais,
Mas se assim for, também não os deixe,
Pra trás.
...
Pra trás não fique nada de essencial,
Pra frente, tudo que ainda brilha os olhos,
Por dentro e pra fora toda a festa,
Que sua vida vem coroar.

17 outubro 2008

Graça da Esperança


Como é difícil enfrentar a nós mesmos,
Com todo o brilho do ego que nos cega,
Com toda a proteção dos medos,
Que nos emburrece demais.

Como é simples enxergar a falha e desgraça alheia,
Mas não o que ela permeia,
Enviesado, dentro de nosso peito.

Ai! Que dor, esse defeito!
Não! Volta esses olhos acusadores pra lá!
Quem é você pra falar?
Quem sou eu pra reconhecer essa chaga que há em mim...

Deixa, deixa que não há porque nisso mexer...

Decerto, que se não houver alarde,
Essa chama que arde, esfriará enfim,
Decerto, se aos olhos não for tão claro,
Se cobrir de camadas de mentira e omissão,
Não terei de lançar mão, de mudar alguma coisa por aqui.

Salva-me Deus, façamos assim, um acordo bom,
Que, se eu me humilhar a ponto de ter fé em ti,
Que não tenha mais que temer a nada, nem a ninguém,
Sobretudo, que eu não tenha que sentir dor,
Nem mudar, um fio de cabelo que seja, em mim.