Vou escolhendo-os um a um para apaga-los. Identifico claramente qual a extensão e variações dos sons que um objeto ou local envia até mim e mando minha cabeça desfazê-los, o som vem chegando ao ouvido mas não marca minha percepção, vai embora, soprado em silêncio. Eliminando um a um, deixo por último o som da roda na gaiola. Quando ele para por alguns instantes eu ergo a cabeça e vejo o pequenino sobre as patas traseiras, as vezes com as pequenas patinhas sobre a boca e sorrio. Então esse som reconfortante também se vai.
Quando você chegou as coisas eram diferentes por aqui e nunca mais pararam de mudar. Depois de tantos dias convivendo e também esperando o tempo de estarmos juntos, você me apresentou a mim mesmo de uma forma que eu ainda não conhecia. Dia desses você me explicou, com cuidado, que há muitas coisas importantes em sua vida. Eu sei, você não precisava me dizer, mas essa foi uma das melhores coisas que já fez por mim. Uma outra coisa, que está guardada em uma foto, é aquela que mais ganhou likes em sua linha do tempo, onde você está olhando desenhos que fez para mim.
Agora os trovões anunciam uma chuva pra chegar em poucos minutos, me fazem lembrar que a pior coisa que eu sentia por você era o medo de que nossas diferenças nos afastassem a ponto de nos perdermos um do outro. Você também falou sobre isso e concluiu que não, que as mudanças que nos trouxemos com o tempo são um amadurecimento. Amadurecer as vezes é difícil e dolorido, não foi fácil pra mim mas estou perdendo esse medo dia a dia. Ele não ajuda em nada pois a separação é feito aquelas feras que sentem o cheiro de nosso medo para nos identificar como vítimas ideais.
Gosto de olhar pra você desde a primeira vez em que eu te vi e isso só se tornou mais único e profundo com o tempo. Posso cuidar de você e de nossa casa, criar coisas, comprar coisas, pequenos presentes, escrever bilhetes ou longas cartas, dizer que te amo, direta ou indiretamente mas nada disso é como olhar pra você. Quando não me vê olhando, quando me vê e eu posso ter em seus olhos o alvo para me perder tambem.
Essa noite sonhei com você sendo uma criança, num tempo passado em que eu não era presente em sua vida, mas suas fotos me fizeram conhecer. Mesmo sem estar nem perto de saber quem é e quem era você, em meu sonho eu observava você e sorria, você brincava rindo e xingando, parecia não saber que eu estava ali. Eu amava você.
Quando eu era criança ia para o jardim de minha avó e ficava lá por horas, conversando sozinho. Minha mãe achava que eu falava com algum ser de outro plano, já que amigos imaginários não estavam em voga na época. Eu não me lembro com quem falava, mas me lembro do jardim e de gostar de estar ali, acho que me lembro de ver essa cena em alguma foto antiga tambem.
Tenho você comigo, em quem sou hoje, no futuro que desejo e naquilo que preciso quebrar e construir de novo. Algumas coisas não se pode apagar ou perder.