19 dezembro 2012

Na antessala




















Na última noite de domingo para segunda dormi mal, fiquei virando na cama, de um lado para o outro, como se alguém tentasse o tempo todo falar comigo e eu não quisesse ouvir. Por isso minha cabeça ficou meio congestionada, então eu queria passar o dia bem tranquilo, descansar. Daí lembrei-me da antessala do céu. Ao que tudo indica, o lugar mais tranquilo de toda a existência.

algum tempo atrás era um lugar movimentado, pois todos que estavam para entrar aos céus tinham que passar por lá. Em épocas mais agitadas, datas de grande número de ingressantes, o lugar chegava e ter algumas filas no atendimento e ouvia-se um certo burburinho, situação quase desconfortável para um lugar assim tão sóbrio e sereno.

Com o tempo, em decorrência dessas mudanças de estilo típicas da vida moderna, o volume de novos habitantes veio sofrendo lentas e graduais, mas sensíveis quedas. Somando-se isso ao aprendizado adquirido nas datas de rush, os comitês de logística e operações tomaram uma decisão quase que radical, para os padrões da casa: As recepções passaram a ocorrer diretamente nos portais de entrada. Uma vez que você cruzasse um deles, estaria em um amplo hall, com modernos guichês de atendimento, um confortável lounge com música ambiente, sofás confortáveis, naquele clima perfeito que só o céu pode oferecer, caso alguém tenha que aguardar um atendimento. Uma beleza de se ver.

A antessala do céu, por sua vez, foi destinada a um imenso e pouco movimentado depósito e estoque de suprimentos. Logo na entrada três enormes mesas baixas e bem compridas, alinhadas lado a lado, com postos para dois funcionários em cada uma das extremidades. Até elas, vindo lá do fundo da imensa sala, um par de esteiras para cada mesa, em movimento ininterrupto de ir e vir. Nos dias mais tranquilos, só um desses conjuntos dá conta de todo o movimento. Ao fundo, prateleiras tão altas quanto o imenso pé direito desse lugar, tem seus espaços divididos entre roupas de uso pessoal, cama, mesa e banho, papéis e tintas, convencionais e tecnológicos de toda sorte , além de alguns poucos produtos químicos de uso bastante restrito.

Lá atrás depois das prateleiras, quase que esquecidas por todos, ficam duas salas de recuperação e repouso. Acontece que a equipe que trabalha na ex-antessala do céu, em seus momentos de descanso, está sempre querendo passear pelos portais do céu, saber o que está acontecendo por ali, conversar com os amigos e mesmo que forem repousar, fazem isso em suas casas, ou praças dos arredores. O fato é que, sobretudo em dias muito chuvosos como foi essa segunda feira, a iluminação normalmente estourada de branco dessas salas, fica bem mais amena e aconchegante, o som baixo, grave e contínuo das esteiras, fica distante o suficiente para tornar-se um mantra e a temperatura é simplesmente ideal.
Sim, já houve quem me perguntasse sobre como obtive essas informações e eu não vi problemas em dizer:

_Os Pássaros, aqueles que me visitam à noite as vezes, guiaram-me uma vez até lá. O complicado é não ter certeza se com eles atravessei os portões de chifres ou os portões de marfim...enfim. Depois de cruzá-los e caminhar por um certo tempo num desses caminhos que não se pode bem distinguir onde fica, por parecerem apenas lugares entre lugares, o trecho meio escuro foi-se iluminando e eu estava lá às portas da antessala do céu.

Um funcionário me aguardava à porta e gesticulando pediu-me que o acompanhasse. Meio hesitante, meio encantado eu fui seguindo e entendendo que deveria ficar quieto e que ele não iria falar nada, não sei ser mudo mudo ou porque não podia falar. Caminhamos ao lado oposto das mesas e esteiras e por todas as vezes que olhei, aqueles que trabalhavam lá não desviaram a cabeça em nossa direção.

Quando chegamos às salas ao fundo, o misterioso que não falava, abriu a porta da primeira sala e me indicou que na segunda eu não deveria entrar. Deu a entender que poderia ficar à vontade e que iria se retirar. Acenei com a cabeça que sim e ele se foi. Olhei em redor e naquele todo amplo e branco, de luz aconchegante, escolhi uma das longas e acolchoadas cadeiras de descanso e estiquei meu corpo nela. Que conforto incrível, que paz, que vontade de estar lá novamente e sentir-me como naquele dia eu senti, nessa segunda-feira cansada.