08 novembro 2014

Quando eu tinha entre 4 e 5 anos de idade eu dizia pra minha mãe que queria ser médico. Não tenho certeza se eu me lembro mesmo disso ou se construí uma memória visual para o que ela me contou, mas existem umas cenas dessa história na minha cabeça.

A impressão que eu tenho sobre esse fato-memória é que devia parecer uma coisa linda e distante para minha mãe, não sei dizer se mais linda ou mais distante. A beleza tem dessas coisas às vezes, quanto mais distante, mais belo e admirável.

Se tem uma coisa da qual eu gostaria de poder falar na vida é sobre olhar o que está distante.

Nesse caso de realidade e distância, eu era o primeiro filho, nascido no comecinho da década de 70, em uma família pobre da periferia de São Paulo, meu pai metalúrgico e minha mãe dona de casa. Não era tão pobre, nem tão periferia, tinha o básico e um pouco mais, mas era pobre. Morávamos em uma casinha construída no terreno da casa de minha avó materna e não éramos os únicos, uma outra família de tios e primos morava em outra extensão da casa.

Para um molequinho de 5 anos nessa "condição humilde", declarando a ambição de ser médico à sua mãe, suponho que devia surtir um efeito inconsistente e encantador publicamente, reservadamente constrangedor e frustrante para ela.

O fato é que eu não sustentei a vontade de ser médico e não me lembro de ter colocado outra no lugar até me tornar adolescente e começar a desenhar. Me destacava da maioria dos outros nessa habilidade, embora me destacasse também na área de humanas em geral, mas esse não é o ponto, ainda.

Quase com 18 visualizei que talvez fosse capaz de ingressar em uma faculdade pública. Publicidade (USP), Arquitetura (USP), História (UNICAMP) ou Design (UNESP e Mackenzie). Batalhei cursinho a noite e sábado 2 anos, trampando em outra cidade de dia, também operário como e com meu pai, até passar em História e Design. Escolhi aquela que me levou para mais longe de casa, eu queria poder olhar o que estava distante.

Estou a caminho, sigo por essa estrada, tento manter-me inteiro, então olho apenas brevemente a paisagem noturna, apenas brevemente essa gente estranha, gente cheia de espera, lembranças, dores e vontades, assim como eu ou você. Cerro meus ouvidos na música, para que entre os outros não tenha que estar. Estou a caminho nessa pequena jornada, que nunca esperei fazer, por isso no céu escuro lá em cima, marcas de luz das estrelas ardentes indicam o caminho. Peças do tabuleiro balançam sob o olhar preocupado do vigilantes do templo e eles colocam seus dedos indicadores sobre os lábios, recomendando o silêncio. Até que eu chegue, até que eu possa descer dessa composição, eu ainda sorrirei tranquilo, enxergando uns fios transparentes que me ligam a esse destino que escolhi encontrar, até que eu chegue, desça a escada e possa saudar meu comitê. Vou ainda lembrar-me de um primeiro encontro e de uns outros, que até agora não pude compreender. Nem de olhos fechados sentindo o cheiro da minha própria pele, pra me ajudar reconstruir as cenas, ainda sim não me será permitido saber, de nada além da chegada que está próxima, posso-lhe dizer que eu já sinto conforto da proximidade, que está para breve a promessa cumprida, para breve um olhar satisfeito e leves movimentos com a cabeça para confirmar que sim.